USO DA ÓRTESE (COLETE) NO TRATAMENTO DA ESCOLIOSE IDIOPÁTICA DO ADOLESCENTE

Atualmente, poucos profissionais questionam a eficácia do uso de ÓRTESES, conhecidas como COLETES, no tratamento da Escoliose Idiopática do Adolescente. No entanto, é preciso conhecer quando o colete está indicado, assim como a forma de sua utilização e qual a finalidade do seu uso. É comum na prática médica ouvir, seja por parte de alguns pacientes ou mesmo por outros profissionais, que determinada técnica de tratamento não funciona. Isso é muito frequente quando o assunto é o uso de colete na escoliose e, nesse caso, a razão pode ser desde a falta de conhecimento adequado ou mesmo o emprego errado (má indicação ou uso inadequado) do colete.

A Escoliose Idiopática do Adolescente (EIA) é uma deformidade da coluna vertebral que aparece em cerca de 3% dos adolescentes, principalmente em meninas. No entanto, na grande maioria das vezes a curva é benigna e chega a passar despercebida. Na maioria das vezes não leva a alterações perceptíveis, a não ser quando uma radiografia da coluna é realizada, frequentemente para outra finalidade. Em cerca de 0,3% dos adolescentes, a escoliose é progressiva e atinge curvas com valores angulares altos, o que pode resultar em problemas mais sérios e requerer cirurgia. Ou seja, na imensa MAIORIA dos casos de EIA, NÃO é necessário tratamento com CIRURGIA e o uso de colete é a principal forma de tratamento conservador (SEM CIRURGIA).

O objetivo do colete é restaurar o alinhamento da coluna vertebral com escoliose por meio de forças externas. Dessa maneira, a finalidade do colete é IMPEDIR A PROGRESSÃO da deformidade, evitando que atinja valores elevados em que a cirurgia se faz necessária. O colete não tem o objetivo de reduzir a magnitude da deformidade, mas conter a progressão da deformidade. Sua real finalidade precisa ser bem compreendida tanto pela pessoa que vai usá-lo, assim como da família, quanto pelo médico que está conduzindo o tratamento.

Como o objetivo do colete é impedir a progressão da deformidade na escoliose, deve ser indicado nos casos de baixa magnitude – ideal entre 20°-30°, sem indicação em curvas acima de 40° – mas que apresentam risco considerável para progressão. Em um estudo clássico de 1984, 727 adolescentes com escoliose de baixo grau (menos que 29°) foram investigados em busca de se identificar os principais fatores que aumentassem o risco para progressão da deformidade. Foi observado que curvas de maior magnitude (ângulo de Cobb de 20° ou mais) e com esqueleto imaturo – identificado pelo sinal de Risser (vide imagem abaixo), que consiste no grau de ossificação da cartilagem da crista ilíaca do osso da bacia – foram os principais fatores de risco para progressão: dentre os casos com ângulo de Cobb de 20° ou mais e com sinal de Risser 0 ou 1 (esqueleto imaturo), 68% apresentaram progressão e necessitaram cirurgia, enquanto dentre as curvas com ângulo de Cobb menor que 19° e sinal de Risser 2, 3 ou 4, apenas 1,6% apresentaram progressão. Sendo assim, o uso do colete está indicado em curvas entre 20° e 40° e esqueleto imaturo (sinal de Risser 0, 1 ou 2), ou seja, aquelas com maior risco para progressão se não forem tratadas.

Sinal de Risser – visualizado pela ossificação da cartilagem de crescimento da crista ilíaca da bacia. Grau 0 consiste na ausência de ossificação; graus 1, 2 e 3 em graus de ossificação progressivamente maior, do lado externo para o interno; grau 4 consiste na ossificação completa da cartilagem, mas que ainda não está fundida com o osso ilíaco da bacia; grau 5 quando a crista ilíaca toda ossificada se funde ao osso ilíaco.
Fonte: Risser JC. The classic: the iliac apophysis: an invaluable sign in the management of scoliosis — 1958. Clin Orthop Relat Res 2010;468:643-53.

Exemplo típico de boa indicação de colete – curva de 27°, com esqueleto imaturo (Sinal de Risser grau 0, ou seja, sem ossificação da cartilagem da crista ilíaca da bacia

Com relação à EFICÁCIA do colete em sua finalidade de IMPEDIR A PROGRESSÃO da magnitude da DEFORMIDADE, diversos estudos demonstraram que quando indicado e usado adequadamente, seu uso está associado com elevada efetividade. Em 2013, foi publicado em uma das revistas médicas de mais prestígio (New England Journal of Medicine) um estudo com 242 adolescentes, de diversos hospitais nos EUA e Canadá, com indicação para uso de colete para tratamento da Escoliose Idiopática do Adolescente, devido ao alto risco para progressão – adolescentes com ângulo de Cobb entre 20° e 40° e imaturidade do esqueleto (definido pelo Sinal de Risser grau 0, 1 ou 2). Os participantes do estudo foram então sorteados para ser definido se iriam ou não usar o colete. Como resultado, 75% dos adolescentes que usaram o colete conseguiram terminar o estudo sem haver progressão da escoliose, contra 42% dos que não usaram o colete – chance de mais de 4 vezes maior de impedir a progressão, logo impedir a necessidade de cirurgia, em quem usou o colete comparado com quem não usou. Outro fator interessante demonstrado no estudo é que a taxa de sucesso se relacionou com o uso adequado do colete, principalmente em relação ao tempo de uso. Enquanto aqueles que usaram o colete por menos de 6 horas por dia tiveram taxa de sucesso em impedir a progressão da deformidade de cerca de 41%, similar ao grupo que não uso o colete, aqueles que usaram o colete entre 13 e 16 horas por dia tiveram taxa de sucesso de 90 a 93% (vide imagem abaixo). Não houve mudança significativa na taxa de sucesso em quem usou o colete por mais de 17 horas por dia. Como conclusão do estudo, passou a ser ALTAMENTE RECOMENDADO o uso de COLETE em adolescentes com escoliose idiopática na faixa de maior risco para progressão da magnitude da deformidade, com pouco espaço para questionamento da sua eficácia. Além disso, atualmente recomenda-se que o tempo de uso diário seja ao menos de 16 horas por dia.

Gráfico ilustra que o tempo de uso diário do colete teve impacto positivo sobre a taxa de sucesso em impedir a progressão da deformidade. Quem usou o colete por tempo entre 0 a 6 horas demonstrou taxa de sucesso de 42%, enquanto tempo de uso médio de 12.9% demonstrou taxa de sucesso de 90 a 93%.
Fonte: Weinstein SL, Dolan LA, Wright JG, Dobbs MB. Effects of bracing in adolescentes with idiopathic scoliosis. N Engl J Med. 2013 Oct 17;369(16):1512-21.

Para finalizar, é importante informar que existem dezenas de TIPOS DE ÓRTESES (COLETES) disponíveis, desde mais simples até aqueles altamente complexos, variando no modo como o molde é tirado, no tipo de material que é feito, na técnica de confecção e mesmo no princípio de atuação, ou seja, de como exerce sua “força externa” sobre a coluna vertebral. No entanto, ainda não existem estudos robustos para suportar a superioridade de um tipo de colete sobre outro. Até o momento, acredita-se que a efetividade do tratamento com colete seja mais dependente do uso adequado que do tipo a ser usado. Para exemplificar, pode-se citar que no estudo descrito acima que demonstrou a eficácia do colete, 68% dos adolescentes tratados com colete usaram o tipo Boston (vide imagem abaixo) feito sob medida.

Colete de Boston feito sob medida aplicado em uma adolescente com Escoliose Idiopática do Adolescente

Espero que o texto tenha sido útil e ajude a esclarecer dúvidas sobre o tão falado COLETE, à vezes BEM falado outras MAL falado, no tratamento da ESCOLIOSE IDIOPÁTICA DO ADOLESCENTE.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *